Nos anos 50 do século XX, Noémia Rodrigues, entre os 12 e os 16 anos, foi em vários ranchos trabalhar para as terras da “Borda DÁgua” e “Termo de Lisboa” (sozinha, com o irmão, com a irmã ou os três juntos). Este fenómeno de migração, reflexo da falta de trabalho em Portugal, levava a que um elevado número de beirões, a pé, de burro ou autocarro se metessem ao caminho em busca do sustento familiar. Ranchos de pessoas de Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos, Castanheira de Pera, Pampilhosa da Serra, Gois, Ferreira do Zêzere, Ansião, Alvaiázere foram para os vastos campos do Ribatejo, Alentejo ou Extremadura Espanhola trabalhar nas ceifas, nos arrozais, nas vindimas e na apanha da azeitona. A partida dos ranchos para a “Borda d´ Água” e “Termo de Lisboa” era feita em épocas diferentes de acordo com o calendário agrícola. O capataz ou “manajeiro” era quem contratava e reunia o rancho para trabalhar nas ceifas fora da terra. Pela sua perspicácia ganhava a confiança do patrão das herdades, combinava ordenados e conquistava o respeito dos companheiros. No concelho de Pedrógão Grande, os ranchos para a “Borda d´ Água” e “Termo de Lisboa” eram reunidos pelo senhor António Correia (capataz), cerca de 30 ou 40 raparigas com idades entre os 11/14 anos e 4 ou 5 rapazes (normalmente os irmãos mais novos das raparigas). Os ranchos que se deslocavam para o “Termo de Lisboa” eram mais pequenos (7 ou 8 mulheres). Por volta do início de Fevereiro saiam para a “Borda d´ Água”, nas margens do rio Tejo, principalmente a esquerda, desde o Infantado até Samora Correia, passando pela Lezíria Grande e Benavente nas margens do rio Soraia. Os ranchos que iam para o “Termo de Lisboa”, partiam na mesma altura do ano para Paços de Arcos, Oeiras, Talaíde, Amadora, Carcavelos etc. Na segunda quinzena de julho regressavam à terra. Em finais de agosto voltavam a sair rumo às vindimas no Ribatejo (Almeirim, Benavente, Salvaterra de Magos etc.) e só voltavam após as vindimas no mês de Novembro ou mesmo Dezembro. O trabalho nos campos era de sol a sol, fins-de-semana e feriados, exceto Sexta-Feira Santa, Domingo de Páscoa e dia de Corpo de Deus. Os trabalhadores tinham meia hora para o almoço e uma hora para o jantar, sendo o horário alterado mediante a estação do ano. Nas terras da “Borda d´ Água”, mais baixas, cultivavam-se favas e cereais (trigo, cevada, alpista, aveia) regados através de canais abastecidos pelo Tejo e Soraia ou por valas como a “Vala Real” em que a quantidade de água e salinidade era controlada por comportas. As favas e os cereais necessitavam de ser “mondados” (limpos), seguiam-se as ceifas da fava, em maio, e depois os cereais, (cevada e trigo). Ceifar, atar, enrolhar, transportar para as debulhadoras, enfardar a palha e recolher o grão, eram as tarefas realizadas nos campos. Por altura das marés altas semeava-se o arroz (Maio) e só em junho/julho as mulheres faziam a “monda” e se necessário o transplante que consistia em arrancar pés de arroz onde estava mais basto e plantá-lo onde havia falta. No cultivo do arroz as mulheres entravam descalças nas “leiras” (sulco na terra onde se deitava a semente) cheias de água e arrancavam as ervas à mão, o mais difícil era a milhã (ervas daninhas) devido às grandes raízes e semelhança da folha. Este trabalho era feito pelas mulheres de saias arregaçadas para não as molhar, descalças ou com meias velhas, sem pés, para reduzir as picadas dos insetos e evitar que a pele das pernas secasse sempre que saíam da água ou mudavam de canteiro. Nos campos, as mulheres “entoavam” cantigas com quadras adaptadas aos trabalhos agrícolas e às terras para onde se deslocavam. No “Termo de Lisboa” as quintas eram mais pequenas do que nas terras da “Borda d Água, cultivava-se hortaliças e criação de gado bovino. Os produtos eram depois vendidos nas praças e feiras de Lisboa onde as mulheres do rancho aproveitavam para comprar peças do enxoval.
MEMÓRIAS TERRAS DE MONSALUDE
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